domingo, 18 de outubro de 2009

Corações Lacônicos

Corações Lacônicos

A gente não tinha tempo de escutar um ao outro naquele verão. Brincávamos de jogos banais e acertávamos pedras em vidraças de lojas no centro da cidade. Dois desocupados ocupados consigo. Na falsa cumplicidade das tardes rolava o som do rock lento e as beatas da igreja se benziam apagadas quando espiavam pela janela da casa dele.
O calor estava matando um pouco mais que o normal. A cada dia, feito serpentes, nosso couro descamava. Era a mudança que batia na porta. Parasita de um tempo mal, nos transformava em adultos na penumbra da vida. Os sorrisos desciam pelo ralo do chuveiro enquanto despertávamos do sonho. A gente não podia conhecer ainda o gosto do sal que toma conta da boca quando choramos. O choro é quando não podemos expressar em palavras o que sentimos. Calados, a coragem frágil que o impulso provoca se esvaiu.
A rua erguida com paredes de ar e conchas submarinas nos convidava a assistir a matilha de lobos uivando enfurecida com o fim da madrugada. Ao desbravar as cortinas de ferro encravadas na alma, viajamos entre as longas avenidas proibidas e cheias de chuva. As poças d’água que espelham o arco-íris são um cenário perfeito para muitas reencarnações, mesmo que sejamos animais ou insetos, se a duração de nossas existências fosse pouco mais de 24 horas e depois explodíssemos no escuro. Foi ali que, unidos, escutamos o ruído do vento e deixamos que seu canto ecoasse nos porões já trancados dos corações lacônicos.

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