segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Eu não quero te perder

Eu decidi que não vou te perder. Não porque sou o mais legal, o mais inteligente e o mais atrativo. Tudo isso eu sou. Mas você não vai saber. Eu não vou te perder porque eu nunca vou te ganhar. Eu vou ficar na minha, eu vou dar o meu pior. Você não vai saber a diferença entre mim e uma mosca, pois seremos um inseto só. Você não vai saber de mim.

Você não vai saber de mim, mas vai estar no meu pensamento, sem falta, a todo momento. Não se irrite. Eu vou pensar tudo que eu quiser. Vou pensar que somos namorados, que você vai me supreender na porta de casa, que vamos compor uma música juntos e ela vai ser nossa como nenhuma outra foi para qualquer casal. Em suma, vou pensar mil besteiras. Mas não quero te perder.

Eu vou me anular, vou sentar ao seu lado e você nem vai notar. Vou vestir minhas roupas mais horrendas, jogar fora maquiagem e doar os sapatos que possam te fazer cair aos meus pés. Se ainda assim você gostar de mim, eu vou sumir, vou tomar um belo porre, vou festejar bem longe para nunca te ganhar.

Vou te dizer que sou pobre, retirante de Quixeramobim, não tenho teto para morar, mal tenho o que comer, vou arrotar o doce que você dividir comigo e se nada adiantar, vou soltar pum na frente da sua mãe. Para não te ter. Eu decidi que não vou te perder. E não vou.

Bundas

Você vai pensar em ficar com todas antes de ficar comigo. Eu não tenho bunda. Eu não tenho dote. Nem carro eu tenho pra ir te buscar tão longe. O amor nos tempos do capital exige cuidados, beijinhos e uma boa quantia de dinheiro em espécie.

Os homens com quem eu ando só saem com garotas que moram no centro. Para ter chances, tento não parecer suburbana, mas minhas unhas roídas e lascadas me entregam de imediato. Meu modo de agir, de pensar, de me expressar não me deixam mentir por nenhum momento. São 18 anos de Pedreira. Pedreira é transpor as barreiras que me separam de qualquer paixão.

Eu poderia ter nascido nos grandes centros urbanos do planeta. Minha língua seria o inglês e os milhares de falantes, do Alaska ao pacato escocês, me entenderiam. Entenderiam que para nascer brasileira, é preciso ter ginga e um belo par de peitos. Apenas uma conta bancária de encher os bolsos da bolsa podem te libertar da condição de investir cada centavo na beleza exterior.

Se um dia Deus quiser de novo me enxotar do paraíso, que ele não me chute para o Brasil. Aqui é o inferno nascer mulher, amargo feito a burca que vestimos disfarçada de bíquini e batom.

No meu primeiro pé-de-meia, produto de muito suor e elaboração intelectual, não esperem que eu me afunde em livros, que eu pense em ter filhos triviais, ter automóvel ou casa própria. Eu vou turbinar a comissão de trás. Ser brasileira é trocar a pátria pela preferência nacional.

Francesa ou Francisca?

Existe uma garota
que não conhecia nada
quando a conheci
Ele não sabia que maconha se fumava
e camisinha nem sempre se usava
Era até pior
Ela não sabia que no cinema se chorava
e que Stones não tem a ver com carnaval
Aos 18,
Ela me aconselhava a ser livre afinal,
a deixar os meus trambiques sem sal
e escutar um rock'n'roll sentimental
Começou a namorar e se chapar
nas ruas do Umarizal
Depois de dois anos
fazia planos
de dominação mundial
E não me olhava mais mijar na esquina
nem nos intervalos do Teatro Oficina
Ela começou a beijar meninas,
a curtir Fellini,Passolini, Mussolini e anfetaminas
Como um sonho europeu,
fez amor no Pesqueiro
com um nativo parceiro
ao som brasileiro
vindo de além-mar
Francesa ou Francisca
ela é belenense, paraense do cabelo sarará
Agora com seu salto escrotal
alimenta o rei na barriga
dando de comer a macho, fêmea e animal
E quando a conheci
de superior não tinha a tal
e agora canta de bacana,
essa siclana. que jamais vou perdoar



NOTA DO AUTOR: Isso não tem nada a ver com ninguém que conheci. É um mero produto de minha imaginação, right?

Stay Beautiful.

In Sem Dia

Ele estava com uma caixa de fósforos e jurou tacar fogo na cidade se eu não olhasse. Era, para o rosto dele, infestado de cupins. Madeira boa, cara de Mogno com Jacarandá. Por dentro é oco, despedaçado pela ação da peste. Na Acyr Prestes, Boulevard Castilhos França, eu corria em uma entrega sem encontrar solução.

Precisava respirar, jardinar meus canteiros e cantinar minha boca. Ocupada, não poderia gritar com medo desse descortínio contido no amanhã. Ele não poderia saber que eu acreditei em cada palavra, palavra-fumaça.

Na minha ânsia de despertar do transe pelas ruas, eu queria vento para me chapar, uma vida obediente, e complacente com tudo que é - as velhas na esquina com os dentes caindo, os ex-difícios convertidos em escombros, pois de escombros a gente segue e refaz, na sapataria que virou pó e carreira ninguém estica mais.

Enquanto a cidade incendia, eu não vejo nada entre os pés que me destroem.